segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Nova história de um ovo apunhalado



"Olho o ovo na cozinha com atenção superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado de não entendê-lo. Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando."

O ovo e a galinha-Clarice Lispector



Dentro de uma casca - ele repetia, já fazia cinco dias. Quando abria a boca, agora tão seca, murcha, era pra dizer, dentro de uma casca.

Ele antes era muito expansivo, não sei bem se é a palavra certa, mas é a que achei, e com ela quero dizer que ele buscava, nunca estava parado, até na hora de dormir, praticava o sonho consciente, lúcido. E agora estava encolhido, seus olhos que tomavam mais a cada dia um tom de âmbar, refletiam uma rocha e um grito de guerra armada.

Olha, não vou dizer que eu não me assustava quando tinha coragem de encará-lo e sim, eu corria cada vez que aqueles olhos duros me encurralavam, me esmagavam, corria feito uma criança pra debaixo do cobertor. Não queria compreendê-lo, desejava que ele escondesse aquilo de tudo que se derramava cada vez mais fundo nele.

Foi ontem, que já não ouvi mais o seu fio de voz saindo embargado, que parecia um rouco querendo gritar. Senti um alívio imenso, não nego, e demorei um tanto para abrir a porta de seu quarto, não queria perturbá-lo, talvez tivesse chocado. Mas quando o silêncio passou a sussurrar, caminhei lentamente, abri a porta e o vi ali envolto de cacos, tão bonito, limpo, os olhos de vidro, parados e quebradiços. Havia tocado a casca.

Enfim eu poderia voltar a comer ovos.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Bem de leve prá não perdoar
Eu tô aqui comendo para vomitar
Carinhoso pra poder ferir"

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Disse um velho orixá pra oxalá
Pra acreditar
Pra não temer, temer, temer...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010



eu pudia da pra avuá...

terça-feira, 14 de setembro de 2010

"Há detalhes suficientes para que se compreenda.
Explicitar seria estragar a poesia da coisa."

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Veias Mansas


Se me repara assim tão distraída

É que já andei errando o pulo

E que agora sobro dispersa a toques tão frágeis

Preciso que me agarre

Me engula

Pra me arrancar destes restos embriagantes

Quero um vinho tinto

Que me desperte tão sorrateiro desse sonho pouco

Quero as janelas abertas
Pra que entre um frio cortante

E me sangre

Sangue espesso

De tantas maçãs apodrecidas

Que nenhuma Eva

Sucumbiria aos seus encantos

Que cantos?

A voz tão rouca

Que não repara
No que eu digo
imagem:deviantart.com

terça-feira, 8 de junho de 2010

Quem sabe no fundo do lago alguma gruta
Quem sabe no fundo da gruta alguma planta
Quem sabe no fundo da planta alguma flor
Quem sabe no fundo da flor alguma sede
Quem sabe no fundo da sede algum lago

Caio F.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Eu que não tenho mais sopro de vida, me aqueço agora com pequenos pedaços das suas velhas frases. Eu que já perdi a ventania, me movo depois entre seus cachos e piso fundo em suas epifanias, que me alegra pensar que você não é mais do que se faz, e o que eu faço é pura pintura, fantasia do ser.
Cai tão grave nas tuas marginais, sonhei tão alto em não me ser mais. Ando cansada desse gosto de saliva, me traz um pouco de amargo, por favor, garçon. Eu que(m?) em outra hora me faria reflexo de mim mesma, agora pareço mais uma tênue penumbra do que costumávamos ser, e sabe nem é tão ruim assim. Cada um pro seu lado, mãos desatadas, procurando, desesperadas, por outro par.

"Aleluia, grito eu."

terça-feira, 13 de abril de 2010

Diálogo


- Veja, os meus cabelos estão molhados, caminhei horas pela chuva querendo e não querendo procurar você.

Frágil e absoluta em sua carnação de mineral, as raízes, se as tivesse encravadas no fundo do rio. A sua base por onde escorregam peixes, cobras, onde a lama se acumulava lenta tentando cobri-la por completo. Ondas frágeis de rio e, atrás, a ilha espalhada em verde contra o céu quase negro do entardecer. O sol além do rio, e o céu quase todo desfeito em cores que em breve afundariam no escuro. As cores morreriam,o claro se faria treva e a pedra mergulharia em sombras, impressentida - quem veria jamais uma pedra emergindo do negro que cobria o rio? E renasceria, depois. Em cada amanhecer, renovada e sempre a mesma, endurecida em sua natureza. A pedra. Por que me doía e pesava por dentro, como se eu jamais conseguisse atingi-la? Ah meus gestos incompletos, meus olhos que nao ultrapassavam o que viam - e ela me enencarava, alheia ao meu espanto, inatingível quem sabe para sempre. E não seria apenas uma forma, uma silhueta de coisa nascendo da água, projetada contra o espaço, cercada de vazio, uma pedra? Que espécie de dureza havia nela, negando a penetração? A compreensão mesma de sua incompreensão - por que se fechava tanto, e tanto se esquivava, e sem se esquivar nem se fechar, feita em sim - apenas uma pedra?

- Podia esperar de qualquer um essa fuga, esse fechamento. Mas não em você,se sempre foram de ternura nossos encontros e mesmo nossos desencontros não pesavam, e se lúcidos nos reconhecíamos precários, carentes, incompletos. Meras tentativas, nós. Mas doces. Por que então assim tão de repente e duro, por quê?

Uma pedra. Igual a si mesma, como só o são as naturezas inertes. As pessoas escorregam e, se num momento foram, no seguinte já não mais o são; a possibilidade de ser se reduz, contrai, escapa, ou num repente aumenta para explodir inesperada. As coisas se afirmam nelas mesmas em cada segundo de cada muinuto. E em cada segundo futuro, serão ainda elas mesmas, sem se acrescentarem ou diminuírem. Para sempre, uma pedra será uma pedra. E por que então, enfim, esta palidez minha? Por que a encarava e pensava, e a constatava em sua permanência despida de mistério e, no entanto, hesitava? Deveria compreendê-la no passar de olhos e ir adiante sem esperar. Contudo, esperava. De uma pedra - o quê? Se me machucava por dentro e quase tombava, meio aniquilado, impossível prosseguir. Derramar de ternura do vazio de minhas mãos, meus olhos quase verdes de tanto amor recusado, emoções informuladas pelo silêncio de noturna precisão - tudo convergindo para a pedra. Uma fatalidade, o inumano atingir o humano assim, de brusco? A nudez de meus pés devassava o frio. O vidro do rio, a lâmina do vento, a morte do sol. E a pedra. Inatingível.

- Compreenda, eu só preciso falar com você. Não importa as palavras, os gestos, não importa mesmo se você continua a fugir e se empareda assim, se olha para longe e não me ouve nem vê ou sente. Eu só quero falar com você, escute.

Inatingível. Escorregava em torno dela, percorrendo consciente uma trajetória de impossível. Em torno da pedra um círculo de repulsão que me jogava longe no momento da aproximação de seu centro. Cansaço pesando em mim, baixei a cabeça. As minhas mãos fremiam de fadiga. Círculos dourados percorriam o espaço, penetravam concêntricos em minhas órbitas, os círculos nascidos em torno da pedra. Pelos descaminhos, meu rumo se perdia, eu tornava a buscar, recomeçava - e novamente errava, e novamente insistia, túrgido de ternura, me encarei. E baixei a cabeça com vergonha. A pedra prescindia de mim. Eu, que me projetava num tempo desconhecido, prescindir de tudo e, impotente, me projetava na pedra, lúcido de que não seria jamais o que ela estava sendo. Eu que não conseguia alcançar o que ela alcançara e para sempre me perderei entra as pessoas, vagando sem encontrar, sem saber sequer o que busco, o que buscarei. A pedra me agredindo com seu ser completo.

- É esse gelo por dentro que eu não consigo entender. Você se doou tanto quando eu não pedia, e no momento em que pela primeira vez eu pedi, você negou, você fugiu. É esse seu bloqueio de aço encouraçando o silêncio, eu não consigo entender.
Caio F.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"E se ainda existe algo de infernal e de verdadeiramente maldito nestes tempos, é esse demorar-se artisticamente sobre as formas, em vez de ser como os supliciados que são incendiados e fazem sinais de dentro das suas fogueiras."



Antonin Artaud

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Como qualquer um pode lhe dizer, não sou um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me definir. Sempre admirei o vilão, o fora da lei, o filho da puta. Não gosto dos garotos bem barbeados com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens desesperados, homens com dentes, rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões. Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens borradas. Estou mais interessado em pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado pela sociedade.
Charles Bukowski